segunda-feira, 14 de novembro de 2011

BIDA FALA A ÉPOCA

Vitalmiro de Moura, condenado como mandante do assassinato da missionária Dorothy Stang, nega participação no crime e atribui sua condenação à pressão internacional

Perfumado e com a barba recém-feita, Vitalmiro Bastos de Moura, de 41 anos, chega à sala do Centro de Recuperação do Coqueiro, em Belém, para a entrevista. É a primeira vez desde seu último julgamento, há quase dois anos, que fala com a imprensa. Condenado como mandante da morte da missionária Dorothy Stang, Bida, como é conhecido, está mais magro. Disse ter perdido 20 quilos na cadeia, “de tanto nervoso”. Mas sua vida promete ficar mais fácil. Em outubro passado, conseguiu na Justiça o direito de cumprir o restante de sua pena, de 30 anos, em regime semiaberto. Tenta agora uma transferência para Altamira, onde vive sua família, sob a alegação de que o pai, em estado terminal de câncer, quer se despedir. Se conseguir mais esse benefício, trabalhará na locadora de carros de um conhecido, mas não exatamente para garantir o salário do mês. Apesar de ser considerado analfabeto funcional, Bida acumula bens notáveis. Por apenas uma de suas fazendas, exatamente a que motivou a disputa com Dorothy, pagou o equivalente a R$ 4 milhões. Ele acredita que o emprego possa convencer um juiz a deixá-lo fora da prisão das 6 às 20 horas nos dias de semana.

ÉPOCA – Como era sua fazenda em Anapu? Tinha título?
Vitalmiro Bastos de Moura – Em 2004, comprei 3.000 hectares de terras de um conhecido, o Regivaldo (o outro condenado como mandante da morte de Dorothy Stang). A área tinha título de 1972. Só fechei negócio depois de levar os documentos para o Incra. O superintendente me disse que eu podia comprar.

ÉPOCA – O superintendente deu uma declaração dizendo que não recomendava a compra dessa área...
Moura – Na época, ele me disse que a área nunca seria loteada para a reforma agrária porque era produtiva. E paguei por ela. Perdi a fazenda porque foi onde mataram a irmã Dorothy, na divisa do lote 55.

ÉPOCA – O que aconteceu com o lote 55?
Moura – Perdi. Os padres tomaram minha fazenda. Agora, o que fazem? Alugam para outros fazendeiros. Estou preso não tanto pela morte da irmã. Mas porque queriam tomar a propriedade. Que graça tem eles botarem o Rayfran, que matou, e o Tato (Amair Feijoli da Cunha, condenado como intermediário no crime), que mandou matar, na cadeia? Precisavam dizer que fui eu.

ÉPOCA – Por que o senhor está preso então?
Moura – Porque queriam minhas terras. Se o superintendente tivesse me falado que a área era do governo, você acha mesmo que eu daria tudo o que tenho por ela? Jamais.

ÉPOCA – Qual era sua relação com a irmã Dorothy?
Moura – Não conheci a irmã Dorothy. Nunca vi. Nunca conversei. Queria até ter conhecido, mas não tive oportunidade. Porque acho assim: nada melhor que a amizade. Já que ela estava na mesma área, precisava fazer amizade. Toda a vida, onde moro, gosto de ter muita amizade.

ÉPOCA – Mas o senhor tinha ouvido falar dela?
Moura – Sim, já. Ouvi falar bem, ouvi falar mal. Mas nem por isso tinha motivo para ter raiva dela. Ela nunca me fez nada de mal.

ÉPOCA – Ela queria as terras que o senhor diz serem suas, não?
Moura – Minhas não. Ela queria a área do Tato. A área que ele comprou de mim. Mas eu tinha uma liminar que cobria toda a área. Estou pagando por uma coisa que jamais pensei em passar. Estou há 21 meses na cadeia sem ver meus filhos. Tenho uma filha que fez aniversário de 15 anos, e eu na prisão. Meu pai está em estado terminal de câncer, e não posso vê-lo. Agora a juíza me deu semiaberto. E não fez mais que cumprir a lei.

ÉPOCA – Como o senhor soube da morte de Dorothy?
Moura – Cheguei um dia antes da morte a Anapu. Conversei com amigos, deixei arroz para limpar. Eu iria para minha fazenda no dia seguinte cedo, com meu vaqueiro. Decidi passar na área do Tato para tratar uma mudança. No meio do caminho, vi um pau caído. Pedi para o vaqueiro ir até um barraco próximo pegar um machado para cortar a árvore. Tinha uma fumaça logo na frente. Quando ele voltou, perguntei: “Cadê o machado?”. Ele fez sinal de não. E me contou que a caminhonete do Tato estava sendo queimada. Entrei no carro, engatei a marcha a ré e fui alvejado com tiro. Pegou um na porta, mas não me acertou. Era o pessoal da irmã Dorothy atirando de dentro da mata. Acelerei e fui para minha fazenda.

ÉPOCA – Por que o senhor não voltou à cidade para acionar a polícia?
Moura – Foi a coisa que fiz errado. Fiz porque meu vaqueiro disse: “Rapaz, vamos lá em casa para ver o que está acontecendo com meus filhos”.

ÉPOCA – E quando o senhor soube da morte?
Moura – Procurei saber de alguma conversa, mas ninguém tinha notícia de nada. Estava chovendo muito, a estrada é muito lisa. Eu estava esperando parar um pouco para voltar à cidade. Depois do almoço, umas 2 da tarde, chegaram o Rayfran e o Clodoaldo na fazenda, a pé. Eles não tinham outra opção para fugir. Ou passavam por dentro da fazenda ou pela estrada onde a mataram. Nessa hora, o Rayfran contou a história. Eles me pediram comida. Disse para o vaqueiro dar e, depois disso, mandei irem embora. Porque não queria nenhum deles ali. Eles estavam me prejudicando.

ÉPOCA – O senhor ficou foragido 45 dias. Se não devia, por que não se apresentou antes?
Moura – Quando tive jeito de conversar, que meu irmão me localizou, falei para ele pegar o delegado e ir até lá. Eles foram de helicóptero. Disseram que, se eu não tivesse nada com o caso, não ficaria preso.

ÉPOCA – E por que chegaram à conclusão de que é culpado?
Moura – Pressionaram o Tato. Disseram que iriam levá-lo para os Estados Unidos. Que, se ele fizesse uma declaração dizendo que eu e o Regivaldo mandamos matar, teria a pena reduzida. Não existia prova contra a gente, como ainda não existe. Está claro. Ele pegou 18 anos, eu peguei 30.

ÉPOCA – Qual seria o interesse dos promotores e delegados em condenar o senhor e inocentar o Tato?
Moura – Se ele não dissesse que eu e o Regivaldo éramos os mandantes, como eles nos prenderiam? Precisavam encontrar o mandante da morte. Um dos promotores foi até promovido depois. O outro chorou no dia em que fui absolvido. De tanta pressão. Pressão internacional. Entendeu como é? Estou preso por causa de pressão. De política. Tem de ter um culpado. Me pegaram de bode expiatório.

ÉPOCA – Quem mandou matar então?
Moura – Na realidade, quem mandou matar foi o Tato. Depois a gente veio a descobrir no processo. O Tato mesmo confessou. Ele não mandou o Rayfran ir lá matar para ganhar dinheiro. Mas, depois da discussão do dia anterior, ele disse: “Rayfran, se esse povo atacar a gente, como é que faz? Tu tem coragem de matar algum deles?”. E o Rayfran respondeu: “Tenho”. Ele disse de volta: “Então fica com o revólver”. (Procurado por ÉPOCA, Tato não foi encontrado para responder às acusações.)

ÉPOCA – Há mais alguém envolvido no crime?
Moura – Se tem um culpado na morte da irmã Dorothy é o Marcelo Luz, ex-delegado da Polícia Civil em Anapu. O Tato era amigo dele. O delegado não mandou matar, mas deu aquela cobertura. Dizia: “O que você fizer lá está feito. Se matarem essa velha, são três ou quatro dias, e ninguém fala nisso mais”. Ela criava problema demais com as invasões. O Marcelo cobrava dos fazendeiros para tirar os sem-terra de suas áreas. Antes da morte da irmã, eu estava tomando uma cerveja num bar, e o Tato foi me chamar. Disse que o delegado queria falar comigo. Quando cheguei, ele me contou que os fazendeiros o patrocinavam para tirar o pessoal da Dorothy quando tinha invasão. E me pediu R$ 10 mil para proteger minha fazenda. (Procurado por ÉPOCA, Marcelo Luz negou as acusações.)

ÉPOCA – O senhor acredita em Deus?
Moura – Muito. É só no que eu acredito. Agora frequento a Igreja Universal aqui na cadeia. Nunca mais apareci na Igreja Católica. Por que o pessoal da irmã se diz de Deus e fica condenando as pessoas.