terça-feira, 12 de julho de 2011

“Quem colocou o dinheirinho em Belo Monte está rindo pras paredes”, diz presidente da Norte Energia


Aos 68 anos, o engenheiro eletricista Carlos Nascimento diz se sentir na flor da idade. Repete insistentemente que, quando descobrir sua fórmula da longevidade, vai revelar a todos. É preciso mesmo muito pique para ocupar seu atual posto. Presidente da empresa Norte Energia, Nascimento está à frente de uma das maiores obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal. Trata-se da hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira, no Pará, que promete gerar energia para 60 milhões de residências. A usina será a terceira maior do mundo, atrás de Três Gargantas, na China, e da binacional Itaipu.
O gigantismo da obra, a propósito, é proporcional à polêmica que vem causando nos últimos 30 anos. Por mais de uma vez, a hidrelétrica foi prorrogada por sofrer forte pressão – inclusive por parte de celebridades mundiais. Nos anos 80, o cantor britânico Sting e o cacique kayapó Raoni lideraram um levante contra o projeto. A repercussão ganhou vulto e, como o Brasil precisava de dinheiro de fora, a barragem parou. São várias as acusações sobre Belo Monte. Segundos seus críticos, ela deve reduzir as águas do Xingu, onde está sendo construída, a níveis insuportáveis. Também mudaria (para pior) a vida de índios e ribeirinhos da região. Mas Nascimento diz ter fé. “A gente tem de pedir as bênçãos de Deus a cada milissegundo”, afirma ele, católico praticante.
 
Época – Quando as obras civis de Belo Monte começarem, a mão de obra local não vai ser suficiente. A cidade está preparada para receber os migrantes?
Nascimento – Se Belo Monte fosse criar esse caos extraordinário que muitos apregoam, já teria acontecido. No passado, quando se dizia que uma usina seria construída, o fluxo migratório chegava logo. E você não está vendo isto acontecer. O Brasil hoje é um grande canteiro. Tem as obras da Copa, das Olimpíadas. Essas pessoas não vão migrar.

Época – Não foi o que ocorreu recentemente com as hidrelétricas do rio Madeira, em Rondônia. As obras atraíram milhares de pessoas para a região de Porto Velho... Nascimento – Mas Belo Monte é um local mais isolado. Os acessos não são tão fáceis como em Rondônia. Porto Velho já contava com linhas regulares de aviação. Já existia um fluxo normal para aquela região. No caso de Altamira não. A gente ainda tem problemas com a Transamazônica, por exemplo. Tudo isso dificulta a chegada. E faz com que grande parte da mão de obra seja local, treinada em pouco tempo. Só virão de fora as pessoas para atividades de alta complexidade.

Época – Quer dizer que a Norte Energia não conta com uma migração em massa para Altamira?
Nascimento – Não. Nós não estamos contando com uma migração em massa. Esperamos que não aconteça. Queremos que grande parte da população daquela região possa ter o privilégio de construir uma obra que, durante tanto tempo, foi o anseio deles.

Época – O modelo do setor elétrico tem prazos apertados de geração. É sabido que, tão logo a licença sai, vocês colocam as máquinas nos canteiros. O preparo da cidade que vai abrigar a obra acaba em segundo plano. Como resolver isto?

Nascimento – Este é um grande problema, mas isto tudo foi planejado. Nós temos um fluxo que indica o número de pessoas que serão necessárias ao empreendimento. Muitos que chegam vão montar seus próprios negócios: uma lavanderia, um açougue ou padaria. Essas pessoas já têm poder econômico. Vão comprar um local, construir alguma coisa. Já o consórcio construtor vai montar as áreas onde os trabalhadores vão ficar grande parte da semana. Eles vão sair pouco de lá. Vão ficar distantes destas sedes municipais. Só vão para as cidades no final de semana, para gastar seu dinheirinho, fazer compras. Nós acreditamos que a vida lá não vai continuar do jeito que estava. Vão acontecer algumas perturbações. Mas vamos procurar mecanismos para adequá-las.
 
Época – O modelo do setor de construção civil sempre contou com essa massa migratória. Por que seria diferente com Belo Monte?
Nascimento – Este é o empreendimento mais debatido que temos hoje no Brasil. Todos os dias ele está na mídia. Você esteve em Altamira e viu. Em uma cidade pequena, se chegarem de uma vez 300, 400 ou 500 pessoas, os hotéis vão ficar super lotados mesmo. Mas daqui alguns dias os canteiros de obras vão começar a ser montados. A população que vai chegar para trabalhar no empreendimento vai ter suas instalações próprias, local de lazer, seu campo de futebol, sua mesa de pingue pongue, seus jogos eletrônicos, sua internet. É claro. Nos finais de semana, elas vão a Altamira, ou viajar para os locais próximos. Mas não dá para dizer que existe hoje um caos naquela cidade. E nós esperamos que não aconteça. Temos procurado, em comum acordo com os prefeitos dos municípios afetados, minimizar os possíveis impactos. Para que este empreendimento possa ser feito com a melhor harmonia possível.
Época – A que tipo de perturbações o senhor se refere?
Nascimento – Você sabe... Até na nossa vida individual acontece. A gente faz planejamento para reformar uma sala, um banheiro... Mas os imprevistos chegam. É o pedreiro não vem. O carpinteiro que falta porque teve problemas. Ou seja, as coisas não são certinhas, certinhas, certinhas. A gente se esforça o máximo para ter a menor perturbação possível. Mas nem sempre conseguimos. Apesar de estarmos sempre dispostos
 
Época – A falta de comunicação entre a Norte Energia e as pessoas que serão realocadas está gerando um clima de insegurança em Altamira. Milhares de famílias invadiram há algumas semanas um terreno privado por medo de ficar sem teto. Por que vocês ainda não falaram com estas pessoas?
Nascimento – Nós já contratamos funcionários para falar com essas pessoas. A partir de junho, quando saiu a licença, começamos a contratar. Antes a gente não tinha como fazer isto. Você só pode adquirir um financiamento para um empreendimento deste porte quando você tem todas as licenças ambientais. Nenhum banco vai dar dinheiro para você se não existe uma licença autorizando. A questão de aquisição de áreas, tanto para executar o próprio empreendimento quanto para realocar as pessoas, consome uma fábula de dinheiro.
 
 Época – O dinheiro ainda não chegou?
Nascimento – Os acionistas já colocaram muito dinheiro para desenvolvermos uma série de atividades. Mas os gastos de maior vulto só fazemos depois de ter a licença. Sem isso, não conseguimos nem mesmo do nosso próprio banco, o BNDES, dinheiro para fazer tudo. O grande financiamento do empreendimento vai chegar em outubro. Por enquanto, estamos usando o dinheiro de um empréstimo ponte de R$ 1 bilhão com o BNDES. E o dos acionistas. Este recurso vai permitir tocar a obra sem nenhum prejuízo. Para fazer este empreendimento maravilhoso que já é um orgulho para nosso país.


Época – Por que Belo Monte é importante para o Brasil?
Nascimento – Se olharmos para o passado, há 50 anos, as indústrias automobilística, de cigarro e de bebida sustentavam a econômica do Brasil. Hoje temos uma base diversificada. Se tivermos energia barata no futuro, um insumo extraordinário para muitas atividades, nosso país vai ter grande vantagem competitiva.

 
Época – Belo Monte, no projeto inicial, era parte de um conjunto maior de obras. As usinas previstas para o trecho acima regulariam o fluxo o rio, aumentando o potencial de geração da hidrelétrica. Elas ainda podem sair do papel?
Nascimento – O Conselho Nacional de Política Energética é um órgão constituído de 14 membros, 11 deles ministros de Estados. Quando uma proposta dessas é aprovada pelo conselho, inclusive pelo presidente da república, é uma decisão num nível muito elevado. Dificilmente muda. No horizonte que enxergamos hoje, não deslumbramos nenhuma possibilidade de outras usinas à montante de Belo Monte. O Brasil optou por construir somente usinas fio d’água [uma tecnologia que permite a redução do tamanho dos reservatórios, ou seja, da área alagada]. Na minha opinião, essa decisão de construir usinas estritamente de fio d’água é altamente nociva aos interesses nocivas aos interesses futuros do país.
 
Época – O senhor defende a construção de usinas com grandes reservatórios na Amazônia?
Nascimento – Construir usinas com reservatórios maiores, não diria grandes. E procurar compensar as populações que moram ali. Mitigar os efeitos. Mas, do ponto de vista energético, isto é muito importante para o país. Vai chegar um momento em que terá de se ter outra percepção para este problema.

Época – Com o barramento do rio, o trecho conhecido como Volta Grande do Xingu vai ter seu volume reduzido em 100 km? O que vai acontecer com as pessoas do entorno?
Nascimento – Aquela região do rio, na época do verão [a seca amazônica], fica com uma vazão muito baixa. Aquelas populações já vêm sofrendo periodicamente com as secas mais severas. Os estudos ambientais exigem que nós deixemos no mínimo 700 metros cúbicos de vazão. É praticamente o dobro do que a natureza já faz naquela região. Não vamos fazer nada pior.

Época – Mas as secas naturais só ocorrem na metade do ano. Com a obra, o trecho vai ficar seco o ano todo...
Nascimento – Sim, a vazão é perene. Metade do ano enche. Agora, o que vamos fazer naquela região? Vários programas. Tem um elenco grande de programas... De piscicultura. Programas socioambientais. Nenhuma população indígena vai ser removida. As comunidades ribeirinhas todas foram identificadas. À medida que sentirmos os efeitos do barramento, vamos analisar a situação de cada família. Pode ser que essas pessoas, no período de seca, fiquem numa distância não tão conveniente da água. Tudo vai ser discutido com eles. O que temos de ter em mente é: quando a gente lha o número de pessoas atingidas, isso representa um contingente populacional muito pequeno em relação ao grande benefício deste empreendimento. O interesse público está acima desta questão. Não que a gente vai tratar essas pessoas com desdém. Mas o interesse maior da coletividade é ó que deve permanecer.
 
Época – O Ministério Público diz que o cumprimento das condicionantes de Belo Monte, uma exigência legal da licença de instalação, está atrasado. Como anda este cronograma?
Nascimento – Hoje nós temos quase cem obras naquela região, com investimentos previstos na ordem de R$ 110 milhões, dos quais 70% já efetivamos. Agora, quando você chega numa região assim, tem de cumprir a lei. Para isso, preciso primeiro contratar especialistas para adequar água, saneamento, drenagem. Posteriormente, tenho de entregar esses planos todos para as prefeituras. Antes disso, tenho de estabelecer os planos com os gestores para ver se eles estão de acordo com os interesses. Mas as próprias prefeituras não têm gente especializada para avaliar.
Época – O senhor está dizendo que, por causa da burocracia, o cumprimento das condicionantes está atrasado?
Nascimento – Nestas áreas mais críticas, que envolvem as questões mais complexas, é uma complicação aprovar, por exemplo, um aterro sanitário. É difícil em São Paulo, no Rio de Janeiro... Imagina lá. Não é um trâmite que você estala o dedo e fica pronto. Nós temos de entender o que é nosso país. Não é que o empreendedor não quer fazer ou não vai fazer. Mas não depende só dele.
 
Época – Quantas do total de condicionantes foram cumpridas?
Nascimento – Todas as obras sobre as quais falei estão ligadas às condicionantes. As que temos mais dificuldade são as de saneamento. As questões envolvidas são complexas. Eu não posso fazer algo sem que o município me autorize. Ao todo, temos 23 condicionantes e 72 observações para serem incorporadas no Plano Básico Ambiental. Eu lhe diria que, das condicionantes pactuadas, sem contar as obras de saneamento e aterro, todas estão em andamento. A grande maioria delas está concluída ou com conclusão prevista para outubro. Sem impactar no sistema educacional. Ou no de saúde. Até outubro, entregaremos as escolas e os hospitais. O saneamento é impossível terminar até o final do ano.
 
Época – O que a Norte Energia quer deixar para Altamira?
Nascimento – Um dia, quando fomos receber a outorga deste empreendimento no Palácio do Planalto, transmiti o seguinte: nós da Norte Energia esperamos que, no futuro, o ex-presidente Lula e a presidenta Dilma tenham certeza de que todas as decisões tomadas para a região de Altamira foram acertadas. Nós não estamos sozinhos nesta empreitada. É uma empreitada de muitas e muitas mãos. Vamos ter dois momentos para aquela região. Antes e depois de Belo Monte.
Época – Qual é sua trajetória no setor elétrico?

Nascimento – Comecei como estagiário nas Centrais Elétricas do Pará. Trabalhei na Eletronorte nos anos 80, o período da redemocratização do Brasil. Eu era diretor de suprimentos. Ajudei a construir as hidrelétricas de Balbina e Tucuruí. Trazia equipamentos da França. Era uma operação complicada. O país não propiciava a logística que temos hoje. Não tínhamos internet, fibra ótica. Era difícil ter controle da situação.
 
Época – Construir Belo Monte então é fichinha para o senhor?
Nascimento – Sempre precisa de humildade. A gente tem de pedir as bênçãos de Deus a cada milissegundo. É um desafio grande. Mas isso faz com que, a cada dia, eu me sinta mais jovem.
 
Época – Qual é a lógica econômica de construir uma usina cuja energia média assegurada é relativamente baixa [cerca de 4.000 MW], com custos econômicos e socioambientais altos?
Nascimento
– A usina de Belo Monte, no período de chuvas na região, vai produzir muita energia num momento em que as outras usinas do país vão produzir pouca. É uma questão de clima e geografia. Pela metodologia que temos, a energia comercializada nos dará uma rentabilidade muito grande. Se não desse, esses 18 empreendedores sócios não colocariam dinheiro nisto. A rentabilidade tem de ser maior que as oportunidades alternativas. E, principalmente, precisam ter garantia no longo prazo. O empreendimento tem taxas de riscos das mais baixas praticadas nos últimos anos no país. Não estamos visualizando nenhum problema maior na construção. É difícil? É, pela sua grandeza. Mas a engenharia nacional já demonstrou que é capaz. Posso te garantir que, até o momento, quem colocou o dinheirinho para construir Belo Monte está rindo para as paredes. Estão todos satisfeitos, graças a Deus